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CAPITULO VIII
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da infanta sobre o seu direito a conservar a regencia até a maioridade da joven Rainha. «Estamos persuadidos que esta é a interpretação correcta das intenções do Imperador, observava Canning[1], mas é impossivel negar que a clausula da Carta relativa ás regencias se acha concebida em termos ambiguos ». Para que a questão se não agite de uma forma perigosa, torna-se necessario resolvel-a «radicalmente, da maneira mais authentica, com o concurso e sancção da auctoridade mais indiscutivel». O governo britannico queria dizer as Côrtes, ao passo que a infanta quizera resolver a questão por si, sem o apoio declarado de qualquer corporação do Estado. «Este acto de imprevidencia, de precipitação, é no mais alto gráo inhabil — é pura e simplesmente fazer o jogo de Dom Miguel »[2].

Canning tinha perfeita razão. O que a Dona Izabel Maria evidentemente cabia de mais acertado fazer era ir exercendo a sua regencia, que desejava ver prolongada, o mais discretamente, o menos ruidosamente possivel, e entrementes mandar ao Rio de Janeiro ás caladas uma pessoa de confiança afim de obter uma explicação clara, positiva e auctorizada do verdadeiro pensamento — o que Canning chamava the real meaning — de Dom Pedro. Este real meaning não podia ser outro senão a infanta no poder e Dom Miguel á distancia até a maioridade de Dona Maria da Gloria. Razão demais por conseguinte para que a infanta não houvesse desafiado (challenged) a interpretação de uma disposição que não visava de modo algum ameaçal-a nas suas ambições. Foi ella propria quem, procurando melhor assegurar o seu titulo, o poz em duvida pois que, uma vez despertada a logica, formulou a interpretação opposta. Mais habeis tinham sido os negociadores do tratado de 1825 que calaram, por manifestos e indiscutiveis, os direitos do principe real á successão portugueza.

Os encarregados de negocios da Austria, da Prussia e da Russia tinham-se abstido de comparecer na cerimonia da installação da Carta, o que fazia crer que a reprovavam. Canning não quiz porem ver outro motivo alem da falta de instrucções, porquanto a contradicção teria sido então em demasia flagrante com a troca de vistas franca (unreserved) e confidencial que occorrera entre a corte de Saint James e aquellas outras cortes a proposito dos negocios de Portugal. Haveria outros motivos? Provavelmente excesso de zelo, symptoma do morbus diplomaticus denunciado na advertencia classica de Talleyrand,

  1. Despacho citado de 19 de Agosto de 1826.
  2. Despacho citado de 19 de Agosto de 1826.