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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

O Imperador ajuntou ao memorandum um artigo que n'elle não figurava e consoante o qual « as duas corôas não poderiam jamais reunir-se sobre a mesma fronte». A esse tempo, em 1825, sua escolha para a presidencia da regencia, no caso de seu pai fallecer, era a mãi ou o irmão. No anno immediato todo o seu desejo se cifrava em conservar por longo tempo Dom Miguel em Vienna e n'este intuito lhe escrevia uma primeira carta que Sir Charles Stuart qualificava de « estranha mistura de lisonja e ameaça»[1]. Quando o enviado britannico lhe fez a observação que, de accordo com a Carta que acabava de receber para levar para Lisboa, a regencia caberia ao infante logo que attingisse os 25 annos, Dom Pedro respondeu-lhe que não, visto que tal disposição constitucional só se devia applicar ao membro da familia real domiciliado em Portugal[2].

Era um miseravel sophisma, graças ao qual Dona Izabel Maria continuaria no exercicio das suas funcções e Dom Miguel não poderia voltar para a terra natal antes de sete annos, quando a Rainha chegasse á nubilidade, isto é, completasse 14 annos. Ella não assumiria em todo caso o poder antes dos 18 annos, e mesmo uma vez alcançada a maioridade e consummado o matrimonio, o infante não ficaria aos olhos do irmão collocado n'uma situação mais em evidencia que seu avô Dom Pedro III, esposo de Dona Maria I, porque em Portugal «o consorte da Rainha era considerado como uma femea (sic) e não tinha sequer jús a um logar no conselho do governo». Sua descendencia herdaria os direitos da mãi[3].

Dom Pedro pretendia de resto que a irmã, como regente, d'elle dependesse inteiramente e que em tudo e por tudo servisse seus interesses. O seu amigo Arcos, que em Lisboa continuava no papel de seu confidente, fizera por isto opposição á regente quando pertencia á junta, aspirando a ser a primeira personagem a fiscalizar a execução das vontades imperiaes. Sir Charles Stuart narra na sua correspondencia official, que nas Caldas da Rainha, onde se achava a banhos, Dona Izabel Maria queixou-se amargamente, chorando a bom chorar quando elle alli lhe foi entregar os documentos que trouxera comsigo. Acabando comtudo por dominar essa crise passageira de nervos, a infanta declarou que, mau grado sua fraqueza feminina, havia de mostrar mais energia que o pessoal que a cercava e que contrariava suas vistas. E o facto é que Arcos acabou por lhe dar seu apoio.

  1. Despacho a Canning datado do Rio de Janeiro em 2 de Maio de 1826. B. R. O., F. O.
  2. Despacho de Sir Charles Stuart de 10 de Maio de 1826.
  3. Conversa do Imperador com Sir Charles Stuart, relatada no despacho citado a Canning de 10 de Maio de 1826, B. R. O., F. O.