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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

Logo depois de jurada a Carta escrevia A' Court a Canning[1] que a abstenção britannica de toda intromissão directa causava entre os diplomatas acreditados em Lisboa muito mais alarme do que satisfacção, e que elles se tinham persuadido de que a direcção da Inglaterra se tornara absolutamente necessaria para impedir os anarchistas e os jacobinos de se apoderarem do governo. Os ministros da França e da Prussia e o encarregado de negocios d'Austria conversaram n'este sentido com o embaixador britannico e o ultimo assegurou mesmo que a conferencia dos alliados em Pariz resolvera não intervir nos negocios de Portugal e confinar sua attenção á Hespanha, na plena convicção de que era a intenção tanto quanto o dever da Inglaterra velar sobre a tranquilla execução dos decretos de Dom Pedro, de modo a pôr obstaculo a toda desordem e confusão. Em summa, mais valia a ordem com a Carta do que a anarchia com o regimen absoluto.

A attitude em perspectiva da Santa Alliança podia ser definida como exclusivamente dependente do feitio que as cousas assumissem em Portugal. Assim se mostraria ella favoravel á regencia de Dona Izabel Maria se não levantasse opposição, desfavoravel se o sentimento do paiz se manifestasse hostil ao governo constitucional e mais chegado ás idéas reaccionarias. Dom Miguel representava, como dizia A' Court, um bello trunfo no jogo da Santa Alliança: pode até dizer-se que era o az. Por seu lado a Inglaterra se esforçava para que as represalias absolutistas se vissem privadas de todo ensejo de se produzirem e era sincera no seu esforço porque servia o seu interesse.

Deve-se a Canning a justiça de admittir que a sua politica portugueza foi sempre coherente — prompta a reconhecer a realeza de Dona Maria da Gloria, mesmo partilhando o thalamo com Dom Miguel. Ao que a Inglaterra sempre recusara a annuir fora ao direito de Dom Pedro de retomar o que uma vez rejeitara. Quando menos de um anno antes, ainda em vida d'El-Rei Dom João VI, se tratara de garantir a successão na pessoa do presumptivo legitimo herdeiro — o antigo principe real do reino unido — Canning respondera a uma dissertação historica do marquez de Palmella por uma exposição de argumentação irrespondivėl.

  1. Despacho de 4 d'Agosto de 1826, B. R. O., F. O.