Página:Echos de Pariz (1905).pdf/13

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amorosas do meu visinho ou os prantos do seu luto são como a consciencia visivel das minhas proprias sensações.

O grande Dickens, deante dos Alpes ou dos palacios de Veneza, punha-se a pensar com saudade nas tristes ruas de Londres, n’um rumor de fim de dia, e no prazer de surprehender as expressões de anciedade, triumpho ou dôr, nas faces dos que passam, alumiados pelo gaz vivo das lojas. É que o melhor espectaculo para o homem — será sempre o proprio homem.

Se sobre a terra só houvesse fachadas de cathedraes ou vulcões flammejantes, a terra parecernos-ia tão insípida como a lua, ou (ainda que isto seja talvez exagerado) como a propria Lisboa. Por mais cantantes que sejam as aguas correndo, por mais fresco e umbroso que se alargue o valle — a paizagem é intoleravel, se lhe falta a nota humana, fumo delgado de chaminé ou parede rebrilhando ao sol, que revele a presença d’um peito, d’um coração vivo.

Mas a verdade é que, fóra de Pariz e Londres, ha tambem humanidade. S. Petersburgo não fórma só sobre a neve outra ondulação de neve; Berlim não é uma floresta com uma população de seiscentos mil castanheiros; em Lisboa mesmo se encontra, de vez em quando, um homem. Que importa! O mundo persiste, em considerar essa humanidade de Berlim, de Lisboa ou S. Petersburgo como um méro accessorio da decoração, como aquelle arabesinho diminuto que os photographos collocam sempre á base das ruinas de Palmyra, ou