trou com tanta sagacidade e precisão os motivos complexos e intimos da acção humana, o subtil mechanismo das paixões, o jogo dos temperamentos no meio social; e ninguem marcou tão vasta e penetrante analyse n’uma forma mais viva, mais pura e mais forte.
As suas creações — Mme Bovary, Homais o pharmaceutico, Leão, Frederico, Mme Arnoux, pelo poder de vitalidade que elle lhés imprimiu, participam de uma existencia tão real, quasi tão tangivel como a nossa. Quando o seu enterro em Rouen, passava junto ao Sena, defronte de uma das lindas ilhas que alli verdejam, os que o acompanhavam paravam um momento a olhar, a mostrar-se o sitio na fresca ilha em que Mme Bovary passeava com Leão, como se estivessem vendo por entre a folhagem dos choupos a sua figura nervosa e ligeira, e o vestido de merino claro que ella levava aos rendez-vous.
Madame Bovary é hoje uma obra classica — e de certo o seu melhor livro. Quem a não conhece e a não relê — essa historia profunda e dolorosa d’uma pequena burgueza de provincia, tal qual as cria a educação moderna desmoralisada pelos falsos idealismos e pela sentimentalidade morbida, agitada de appetites de luxo e d’aspirações de prazer, debatendo-se na estreiteza da sua classe como n’um carcere social, correndo a esgotar d’um sorvo todas as sensações e voltando d’ellas mais triste como dos funeraes da sua illusão, procurando alternadamente a felicidade na devoção e na voluptuosidade, anciando sempre por alguma cousa de melhor,