Página:Echos de Pariz (1905).pdf/221

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(talvez ditosos) em que elle, tal qual como o habitante de Damasco ou de Bagdad, não podia, sem perigo do carcere e da tortura, divergir das opiniões dogmaticas dos seus doutores.

Quando a Faculdade de Pariz (que, segundo diz Voltaire, tão poucas faculdades possuia) lançou um decreto negando a existencia das «ideias innatas», todos os espiritos foram obrigados a repellir com nojo a abominavel noção das «ideias innatas»; e quando, annos depois, fazendo uma pirueta metaphysica, a mesma Faculdade atirou outro decreto affirmando a existencia das «ideias innatas», todos os mesmos espiritos, piruetando tambem, tiveram de proclamar com reverencia a certeza das «ideias innatas». A memoria d’essa affrontosa escravidão intellectual ainda hoje amargura o francez que em principio, theoricamente, considera a vida sem valor, logo que ella não seja acompanhada e ennobrecida pela liberdade do pensamento.

É essa liberdade, alcançada emfim tão penosamente, que constitue a sua melhor superioridade sobre o pobre homem de Bagdad ou de Ispahan, a quem ainda não é permittido raciocinar d’um modo differente do que raciocina o Cadi ou o Ulema. Elle, francez, graças ás suas tres revoluções, póde pensar como lhe aprouver sobre todas as cousas da terra e do céu. É o seu mais augusto direito. E esta certeza de o haver conquistado lhe basta largamente. Porque, de resto, para ter uma opinião, espera sempre que o seu Cadi ou o seu Ulema, dogmatisando no jornal, lhe indique