ha por fim apenas meia duzia de almas, que possam sentir com verdade e profundidade a belleza ou a grandeza de uma obra, e que, deante d’um quadro de Velasquez e d’um quadro de Bonguereau, saibam qual pertence á Arte e qual pertence ao Artificio. Por isso a oleographia triumpha, e Ohmet e outros tiram a cem mil exemplares, e as comedias mais desprezivelmente idiotas congregam as multidões. E não é culpa da multidão. Ella póde dizer como o amanuense a Voltaire; «Não me sobra tempo para ter bom gosto!»
Por outro lado, porém, hoje, todo o homem civilisado, ou que vive n’um meio civilisado, está sob o dever de se interessar ou de parecer que se interessa pelas grandes expressões da civilisação. Sem essa manifestação de cultura, elle é considerado pelos seus visinhos como um selvagem. O desdem, ou simples indifferença pela litteratura ou pela arte, já não é permittido ao habitante d’uma capital: e os tempos vão longe em que os senhores feudaes se gabavam com orgulho de não saber lêr. Hoje, em todas as classes que estão para cima do lavrador e do carrejão, é tão indispensavel mostrar um certo gosto pelas cousas do espirito, como usar, pelo menos ao domingo, camisa engommada. É um preceito de decencia e respeitabilidade. Por mais bacalhoeiro que se seja, e enfronhado no bacalhau, e indifferente a tudo, fóra o arratel e o meio arratel, não se ousa desprezar publicamente (ainda que se desprezem em particular) as lettras e as artes, como não se ousa ir ao passeio em