Página:Echos de Pariz (1905).pdf/225

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chinellos e sem gravata. Tudo n’este nosso seculo é toilette, dizia o velho Carlyle.

O apreço exterior pela arte é a sobrecasaca da intelligencia. Quem se quererá apresentar deante dos seus amigos com uma intelligencia núa?

N’uma cidade como Pariz, e perante um acontecimento tão artistico como é todos os annos a abertura do Salão, cada bom burguez (para usar o termo querido de Flaubert) se vê forçado pelo decôro a ter sobre tres ou quatro quadros uma opinião, uma phrase, para trocar com as suas relações no café. Mas construir essa opinião, redigir essa phrase é um trabalho que pede reflexão, tempo, um diccionario. E para quem passa o seu cançado dia no escriptorio, no armazem, na repartição, no bilhar ou na atarefada ociosidade mundana, isto desde logo se torna uma sobrecarga impraticavel. O expediente natural, portanto, é recorrer áquelles que têm por profissão e especialidade fornecer, sobre cousas d’arte, opiniões e phrases. Estes são os criticos e têm a sua loja de retalho no jornal. Nada mais commodo, mais rapido, pois, do que comprar ao critico, pela toleravel somma de dez réis, tres ou quatro opiniões, como se compram no luveiro tres ou quatro pares de luvas, escuras ou claras. Enverga-se a opinião como se calça a luva, e desde logo se fica apto a apparecer na sociedade com o ar e a elegancia moral de um sêr culto. Esta é a grande vantagem de viver nas cidades, onde tudo se fabrica e tudo se retalha. Um qualquer póde estar de manhã comple-