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35.1
2019
Marina Fonseca Darmaros, John Milton

teoria de que os tradutores tiveram sua parcela de influência - por vezes, de peso - no gatekeeping editorial soviético. Sobre a censura a Peter Pan e sua luta pela a publicação da obra, que só ocorre no final dos anos 1960, a própria Demurova disse, em entrevista à revista “Vopróssi literaturi”:


Não publicavam o livro – já que ele não parecia em nada com os livros de então para crianças. A editora ‘Détskaia literatura’ parecia querer pegá-lo, mas, apesar disto, a editora disse que este romance não era para crianças soviéticas: o menino, por algum motivo voava, mister e misses Darling contrataram como babá das crianças um cachorro; a menina Liza serve a eles como criada, e isto não é nada diferente de exploração do trabalho infantil... (...) Desesperada, fui pedir ajuda a Kornêi Ivanovitch Tchukóvski. [Ele] escreveu uma carta à editora onde, de maneira bastante irônica, disse: deixem que as crianças soviéticas saibam que até gente boa como os Darling, na Inglaterra, explorava o trabalho infantil. No final das contas, depois de ficar engavetado por quase doze anos, a tradução saiu com um mínimo de cortes (Demurova 2001).


Mas na adaptação que Inna Tiniânova faz de Sítio do Picapau Amarelo, anterior à publicação de Demurova, as histórias que contêm o personagem se mantêm – mesmo que, como já dito anteriormente, tenha seu nome alterado para “Peninha”. Isto não impede, porém, o pó de pirlimpimpim de aparecer.

Assim, toda a parte central de Memórias é omitida: o Rei da Inglaterra mandando ao Sítio de Dona Benta um navio cheio de crianças sob o comando do Almirante Brown no capítulo III; a aparência e designação de Peter Pan; o anjo falso e anjinho verdadeiro no capítulo IV; a visita de Popeye, que espanca capitão Gancho e que briga com Pedrinho e Peter Pan nos Capítulos VI, VII, VIII e IX; a despedida dos visitantes no capítulo I; a passagem de Narizinho e Emília por Hollywood, onde visitam Shirley Temple, nos capítulos XI, XII, XIII e XIV. O texto russo somente retoma Memórias com o capítulo X, “Diálogo entre a boneca e o Visconde. A esperteza da Emília e a resignação do Milho”, e parte do XII, sobre o desabafo do Visconde, e do último Capítulo, “Últimas impressões de Emília, suas ideias sobre pessoas e coisas do sítio de Dona Benta”.


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