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Barulho de mandibulas e abdomens!
E vem-me com um despreso por tudo isto
Uma vontade absurda de ser Christo
Para sacrificar-me pelos homens!

Soberano desejo! Soberana
Ambição de construir para o homem uma
Região, onde não cuspa lingua alguma
O oleo rançoso da saliva humana!

Uma região sem nodoas e sem lixos,
Subtrahida á hediondez de infimo casco,
Onde a forca feroz coma o carrasco
E o olho do estuprador se encha de bichos!

Outras constellações e outros espaços
Em que, no agúdo gráu da ultima crise,
O braço do ladrão se paralyse
E a mão da meretriz caia aos pedaços!

 

II

 

O sol agora é de um fulgor compacto,
E eu vou andando, cheio de chamusco,
Com a flexibilidade de um mollusco,
Humido, pegajoso e unctuoso ao tacto!

Reunam-se em rebellião ardente e accesa
Todas as minhas forças emotivas
E armem ciladas como cobras vivas
Para despedaçar minha tristeza!