Esses que dizem perceber Shakspeare,
admirar Shakspeare, sentir Shakspeare, para o
fazerem vestem casacas de erudicção por dentro,
concentram-se official mente, ficam graves e sérios,
tornam-se os difficeis e os inaccessiveis da Sabedoria,
porque, no entender d′elles, é necessário
toda essa compostura solemne, todo esse apparato
clássico de maneiras e attitudes, quando, no
entanto, para ver Shakspeare basta penetração
clara, pureza e nitidez de ser, porque elle é uma
expressão da Natureza, por certo a maior, a mais
intensa, a mais condensada, a mais transcendente,
mas uma expressão, uma fôrça phenomenal
d′ella deslocada, como se deslocam os côrpos
meteorolo tricôs e cósmicos. Sendo um foco
central Shakspeare é, no entanto, uma expansão
natural dos elementos vivos e superiores da
matéria organizada, é uma voz de todas as vozes,
uma hora de todas as horas, um tempo de todos
os tempos, uma athmosphéra de todas as athmosphéras,
um ser de todos os seres, uma alma de
todas as almas.
Se Shakspeare não tivesse atraz de si séculos, nem as gravidades dos doutos juizos dogmáticos, nem as fundamentações de theses criticas, nem os rebuscamentos fundos de analyses psychologicas, de agudos commentarios, nem as réplicas e