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N'ella dir-se-hia dormir uma vida nova, que, ai!, nunca dispertou e afinal envelheceu no mysterio d'aquelle organismo.

Delicadezas de sensibilidade que nunca transbórdam no mundo, timidas lagrimas reconcentradas que nunca enchem os occeanos!

Com a morte de Anna foi se diluindo a minha sensibilidade, começou de leve, lento, a harmonia velada do meu ser, veio vindo, se diffundindo e deffinindo a Dolencia.

Éra um fio imperceptível da minha vida, ligado á vida d'ella, que se partira e que só se tornaria a reunir, talvez, mais tarde, nos reinos encantados e nocturnos da Saudade, perto dos rios rôxos do Esquecimento, ás margens amargas da Illusão.

Anna fôra uma espécie dessas crepusculares, outomniças flores nostalgicas, de desconsoladas perpetuas do celibato que as insomnias aquebrantadoras e perigosas definham e créstam como mormaços venenósos.

Fazia lembrar uma d'essas donzellas de honor, insontes e peregrinas; seres para os quaes a Dôr torna-se de alguma sorte um vinho selvagem e allucinante que embriaga, illuminando de certa fórma, e cujas religiosas surpresas e revelações da alma estão para sempre veladas e veladas a muitas almas profanas.