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Esconder, esconder a chaga da Vida para bem longe, fugir para além deste mundo, para o imponderável Ideal, errar nos somnambulismos da treva e nos somnambulismos da luz — sombra informe batida das rebelliões da terra, arrastada pelas thebaidas de uma enorme saudade e en chendo d′ella todo o tempo, todo o vácuo desse existir peregrino, desse existir lacerado de impaciências, de febres, de anciedades, de desejos embryonarios cuja primeira flor vermelha e de ouro outras mãos sacrilegamente colheram.

Invadido pela força poderosa de uma paixão atterradôra, talvez de uma sensibilidade extra humana, Araldo queria esconder em seios inteiramente intactos de florestas desconhecidas, em regiões nunca vistas, o horror da sua culpa em muito ter amado e em muito ter illudido o coração e os olhos. Verdadeiramente açoitado pela peste, pela lepra sinistra do ddio e do despreso humano, como um animal acuado, elle espiritualisára mais e mais a sua natureza, requintara o seu sentir, quintescenciára os seus nervos e, no sensibilisante mysticismo de um Santo, mergulhou no mysterio, pairou no maravilhoso, vagueou no Sonho, etherificando-se, diluindo-se em lagrimas, em gemidos abafados, quasi perdendo todas as qualidades ingenitas que o prendiam fatalmente á Matéria.