Surge uma formiga friorenta, embrulhada em fichú de paina.
— Que quer você? pergunta ella, examinando a triste mendiga, suja de lama e a tossir, a tossir...
— Venho em busca de agasalho. A garôa não cessa e eu...
A formiga olhou-a d'alto a baixo, franziu a testa e disse:
— E que fazia você durante o bom tempo que não construia a sua casa?
A pobre cigarra, treme—tremendo, respondeu depois dum accesso de tosse:
— Eu cantava, bem sabe...
— Ah!... exclamou a formiga, recordando—se. Era você, então, quem cantava. nessa arvore secca, emquanto nós labutavamos para abastecer as tulhas?
— Isso mesmo, era eu...
— Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquelle chiado nos divertia e nos alliviava o trabalho. Diziamos sempre: que felicidade ter como vizinha a uma tão gentil cantora! Entre, pois, amiga, que aqui tem cama e mesa emquanto o mau tempo durar.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol quente e ceu azul. E durante toda a temporada chuvosa encheu o formigueiro de alegria com a vibração das suas musicas chiantes.
Mais tarde, quando o sol reappareceu e a cigarra partiu, confessaram as formiguinhas, saudosas, nunca terem passado uma estação das aguas mais divertida que aquella...