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caes em que os srs, Noel et Chapsal iniciavam a geração estudiosa de que fiz parte. Um jornal, contando-nos a interessante conferencia, diz-nos, com uma seriedade cheia 2e beatifico enthusiasmo descriptivo:

«Com a palavra quente e persuasiva do deputado belga, tão cheia de colorido e vivacidade que parecia traduzir-se no caminho dos labios do orador para os ouvidos attentos de milhares de pessoas, reinava na amplidão da sala uma rajada indomavel de civilisação que em todos os peitos produziu fremitos de admiração e sympathia. O gesto, a expressão do orador, a insinuante pronuncia das palavras desconhecidas para muitos dos assistentes suppriram, em muitos casos, esse desconhecimento do idioma francez, «explodindo da parte dos operarios as mais vibrantes e in tensas acclamações.»

Como vêem é extraordinário e pittoresco; mas é assim. Até parece que a noticia foi forjada por qualquer inimigo descaroavel do Livre Pensamento e artes correlativas, porque ella nos dá a chave do enygma de muita miseria que para ahi se estadeia á luz do sol, mascarada de civismo, arreiada com a clamyde inconsutil das aspirações populares. .. A ignorancia foi, em todos os tempos, muito atrevida, mas desde que tentam debellal-a por meio de «gestos e da insinuante pronuncia das palavras desconhecidas», ninguem sabe até onde ella poderá ir.

As «Flores do Mal» não fôram inicialmente escriptas para o grande publico; as interpretacões do sr. Delfim Guimarães menos o são, porque o mercado é incommensuravelmente menor e porque o numero d’aqueiles que, em Portugal, se occupam de assumptos artisticos é em extremo reduzido.

N’estas condições, a vinda á luz 9’um trabalho similhante obedece a um dilletantismo intellectual d’uma determinada extravagancia — ou, se quizerem, de accentuada extemporaneidade — em escriptor d’uma cultura e sobretudo d’uma pujança de concepção e faculdades de trabalho tão fortes e tão notaveis.