Página:Flores do Mal (1924).pdf/30

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«Já que fui a mulher destinada, Senhor,
«A tornar infeliz quem a si me ligou,
«E não posso atirar ao fogo vingador
«O fatal embrião que meu sangue gerou,

«Vou fazer recair o meu odio implacavel
«No monstro que nasceu das tuas maldições,
«E saberei torcer o arbusto miseravel
«De modo que não vingue um só dos seus botões!»

E sobre Deus cuspindo a sua mágoa ingente
Ignorando a razão dos desígnios do Eterno,
A tresloucada mãe condéna, inconsciente,
A sua pobre alma ás fogueiras do Inferno.

Bafeja a luz do sol o fruto malfadado,
Vela pelo inocente um anjo peregrino;
A ágoa que ele bebe é um néctar perfumado,
O pão é um manjar saboroso, divino.

Com as nuvens a rir, brincando com a aragem,
A cantar, vae pisando o aspérrimo caminho;
Seu anjo protector segue-o n’essa romagem,
E chóra ao vê-lo assim: feliz qual passarinho.

Aqueles a quem ama, olham-no, receosos,
Ou então, conhecendo a sua mansidão,
Com um prazer feroz, com dentes venenosos,
Procuram no morder, ferir-lhe o coração!