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Página:Graciliano Ramos - Cahetés (1933).pdf/22

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GRACILIANO RAMOS

admirei o tino de Adrião. Não serei um commerciante nunca. Eu teria, inconsideradamente, mandado propôr os quinze por cento a D. Engracia.

Fiz a carta com inveja. Ora ali estava aquella viuva antipathica, podre de rica, morando numa casa gran­de como um convento, só se occupando em ouvir missa, commungar e rezar o terço, augmentando a fortuna com avareza para a filha de Nicolau Varejão. E eu, em mangas de camisa, a estragar-me no escriptorio dos Tei­xeira, eu, moço, que sabia metrificação, vantajosa pren­da, collaborava na Semana de padre Athanasio e tinha um romance começado na gaveta. E’ verdade que o ro­mance não andava, encrencado miseravelmente no principio do segundo capitulo. Em todo o caso sempre era uma tentativa.

Quinhentos contos, seiscentos contos, nem sei, di­nheiro como o diabo nas mãos duma velha inutil! E a afilhada, a Martha Varejão, beata e sonsa, é que ia apanhar o cobre. Mundo muito mal arranjado!

Arrumei as contas no diario, escripturei o razão, passei os lançamentos do borrador para os livros auxi­liares. Pouco a pouco vieram affligir-me as preoccupações da vespera. Luiza guardara segredo. Provavel­mente confessaria tudo depois. Senti uma especie de frenesi. Quasi desejei que ella falasse e que os Teixeira me mandassem logo embora.

Afinal eu não tinha culpa. Tão linda, branca e for­te, com as mãos de longos dedos bons para beijos, os olhos grandes e azues... De Adrião Teixeira, um ve­lhote calvo, amarello, rheumatico, encharcado de tisa­nas! Outra injustiça da sorte. Para que servia homem tão combalido, a perna tropega, cifras e combinações de xadrez na cabeça? Eu, sim, estava a calhar para ma­rido della, que sou desempenado, goso saude e arranho literatura. Nova e bonita, casada com aquillo, que des­graça!