132
GRACILIANO RAMOS
sene. A saleta de jantar era o meu gabinete de estudo. A mesa tinha uma perna quebrada e encostava-se á parede. Trabalhei ali muitos annos. A ’ noite baixava a luz do candieiro, por economia. D. Gloria ia para a cozinha resmungar, chorar, lastimar-se. O habito que ella tem de cochichar e caminhar na ponta dos pés vem desse tempo. Dormiamos as duas numa cama estreita. Se eu adoecia, d. Gloria passava a noite sentada; quando não aguentava o somno, deitava-se no chão.
Magdalena calou-se. Impressionado com aquella pobreza, exclamei:
— Diabo! Vocês comeram uma cachorra ensossa.
— Quem não adoecia era d. Gloria, continuou Magdalena. Eu sahia para a escola e ella punha o chale, ia cavar a vida. Tinha muitas profissões. Conhecia padres — e fazia flores, punha em ordem alphabetica os assentamentos de baptizados, enfeitava altares. Conhecia desembargadores — e copiava os accordams do tribunal. A ’ noite vendia bilhetes no Floriano. E como o padeiro nosso vizinho era analphabète, escripturava as contas delle num caderno de balcão. Está claro que, dedicando-se a tantas oceupações miúdas, era mal paga.
— Deve comprehender. . . murmurei vagamente, olhando os dorsos vermelhos das novilhas mergulhadas no capim gordura.
Página:Graciliano Ramos - S. Bernardo (1934).pdf/134
Aparência