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GRACILIANO RAMOS
interior, fui matar a sede do Gondim, que, quando chega a S . Bernardo, exige cognac.
Durante o jantar, estiveram todos muito animados. E até eu, que ignoro os assumptos que elles debatiam, entrei na dança.
Para começar, Azevedo Gondim, a quem o cognac tinha tirado as peias da lingua, elogiou a vida campestre:
— Isto é que é! Vejam se na cidade, ciscando no fundo dos quintaes, se criava um peru deste tamanho. Que bicho fornido! Benza-o Deus.
D. Gloria deu um muchocho e desviou a vista do centro da mesa, onde, acocorado na travessa, um peru recebia aquelles louvores despropositados. Padre Silvestre acompanhou o movimento de d. Gloria e deu com os olhos nos canteiros do jardim e nas alamedas do pomar.
— Realmente deve ser uma delicia viver neste paraiso. Que belleza!
— Para quem vem de fóra, atalhei. Aqui a
gente se acostuma. A final não cultivo isto como enfeite. E’ para vender.
— As flores também? perguntou Azevedo Gondim.
— Tudo. Flores, hortaliça, fructa...
— Está ahi! exclamou padre Silvestre balançando a cabecinha grisalha e enrugando a testa estreita. O que é ter senso! Se todos os brasileiros pensassem assim, não estaríamos presenciando tanta miseria.
Página:Graciliano Ramos - S. Bernardo (1934).pdf/146
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