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Página:Graciliano Ramos - S. Bernardo (1934).pdf/153

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S.BERNARDO

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leste dos meus trabalhadores, mal remunerados cá na terra, e admitto o diabo, futuro carrasco do ladrão que me furtou uma vacca de raça. Tenho portanto um pouco de religião, embora julgue que, em parte, ella é dispensável num homem. Mas mulher sem religião é horrivel.
Communista, materialista. Bonito casamento! Amizade com o Padilha, aquelle imbecil. “Pales­tras amenas e variadas”. Que haveria nas pales­tras ? Reformas sociaes, ou coisa peor. Sei lá! Mu­lher sem religião é capaz de tudo.
— Sem duvida, respondi a uma lenga-lenga que padre Silvestre me infligia.
Seu Ribeiro e Azevedo Gondim amolavam-se, com pachorra. D . Gloria cochilava. Padilha fumava a um canto.
— Provavelmente.
Creio que disse disparate, porque padre Sil­vestre divergiu e sapecou-me uma demonstração incomprehensivel.
Procurei Magdalena e avistei-a derretendo-se e sorrindo para o Nogueira, num vão de janella.
Confio em mim. Mas exaggerei os olhos bo­nitos do Nogueira, a roupa bem feita, a voz in­sinuante. Pensei nos meus oitenta e nove kilos, neste rosto vermelho de sobrancelhas espessas.
Cruzei descontente as mãos enormes, cabelludas, endurecidas em muitos annos de lavoura. Mistu­rei tudo ao materialismo e ao communismo de Magdalena — e comecei a sentir ciúmes.