S. BERNARDO
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abrir-lhe a correspondência. Magdalena chorou, gritou, teve um ataque de nervos. Depois vieram outros ataques, outros choros, outros gritos, choveram descomposturas e a minha vida se tornou
um inferno.
Um dia, de passagem pela fazenda, o dr. Magalhães almoçou commigo. Espreitando-o, notei que as amabilidades delle para Magdalena foram excessivas. Effectivam ente nas palavras que disseram não descobri mau sentido; a intenção estava era nos modos, nos olhares, nos sorrisos. Houve, segundo me pareceu, cochichos e movimentos equivocos.
A’ noite não consegui dormir. Passei horas
sentado, odiando Magdalena, que se enroscava num canto da cama, as pernas encolhidas apertando o estomago.
Com o dr. Magalhães, um homem idoso! Considerei que também eu era um homem idoso, esfreguei a barba, triste. Em parte, a culpa era minha: não me tratava. Occupado com o diabo da lavoura, ficava tres, quatro dias sem raspar a cara. E quando voltava do serviço, trazia lama até nos olhos: deem por visto um porco. Mettia-me em agua quente, mas não havia esfregação que
tirasse aquillo tudo.
Que mãos enormes! A palma era enorme, gretada, callosa, dura como casco de cavallo. E os dedos eram também enormes, curtos e grossos. Acariciar uma femea com semelhantes mãos!
Página:Graciliano Ramos - S. Bernardo (1934).pdf/161
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