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GRACILIANO RAMOS
Approximava-me de Magdalena, observavallie o rosto. Teria ouvido? Ou estaria a fingir que dormia?
Levantava-me, arrastava uma cadeira, sentava-me. Magdalena resonava.
Uma pancada no relogio da sala de jantar. Que horas seriam? Meia? uma? uma e meia? ou metade de qualquer outra hora?
Com certeza ninguém, tinha bulido na fechadura nem nas telhas. Maluqueiras de sonho. Talvez as pisadas também tivessem sido abusão de sonho. Um pesadelo. Isso. Um pesadelo. Era possivel que o assobio fosse grito de coruja.
Não podia dormir. Contava de um a cem, e dobrava o dedo mindinho; contava de cem a duzentos, dobrava o seu vizinho; assim por diante, até completar mil e ter as duas mãos fechadas. Depois contava cem, e soltava o dedo grande; mais cem, o furabolos; e quando chegava a dois mil, as duas mãos estavam abertas. Repetia a leseira, imaginava para cada dedo que se movia um conto de reis de lucro no balanço, o que me rendia uma fortuna immensa, tão grande que me enjoava delia e interrompia a contagem.
Segunda pancada no relogio. Uma hora? uma e meia? Só vendo. Erguia-me, pisava com força. Magdalena continuava a dormir.
Destrancava e trancava a porta do corredor.
Tornava a destrancar, tornava a trancar. E examinava o rosto de Magdalena. Que somno! Ali des-
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Aparência