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Página:Graciliano Ramos - S. Bernardo (1934).pdf/192

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GRACILIANO RAMOS

vesperas dos exames dormia duas, tres horas por noite. Não tinha protecção, comprehende? Alem de tudo a nossa casa, na Levada, era humida e fria. No inverno levava os livros para a cozinha. Podia visitar igrejas? Estudar sempre, sempre, com medo das reprovações...
Estava perturbada, via-se perfeitamente que estava perturbada. Largou outras incoherencias:
— As casas dos moradores, lá em baixo, tam­bém são húmidas e frias. E’ uma tristeza. Estive rezando por elles. Por vocês todos. Rezando... Estive falando só.
O relogio da sacristia tocou meia-noite.
— Meu Deus! Já tão tarde! Aqui, tagarelando...
Levantou-se e poz-me a mão no hombro:
Adeus, Paulo. Vou descançar.
Voltou-se da porta:
— Esqueça as raivas, Paulo.
Porque não acompanhei a pobrezinha? Nem sei. Porque guardava um resto de dignidade bes­ta. Porque ella não me convidou. Porque me in­vadiu uma grande preguiça.
Fiquei, remoendo as palavras desconnexas e os modos exquisitos de Magdalena. Depois pensei na carta que ella havia deixado no escriptorio, in­completa.
Para quem seria? Lá vinha novamente o ciú­ me. Aquillo ainda causaria infelicidades sem remedio.