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Página:Graciliano Ramos - S. Bernardo (1934).pdf/197

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S. BERNARDO

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crinações se tornaram apenas um sedimento no meu espirito, veio á superficie. Raramente conseguia agitar-me e dissolvel-a: recompunha-se logo e fi­cava em suspensão. E os assumptos mais attrahentes me traziam enfado e bocejos.
Vivia agora a passear na sala, as mãos nos bol­sos, o cachimbo apagado na boca. Ia ao escriptorio, olhava os livros com tedio, sabia, atravessava os corredores, percorria os quartos, voltava ás cami­nhadas na sala.
Certo dia, na horta, espiava um formigão que se exercitava em marchas e contramarchas incon­sequentes. Inconsequentes para mim, está visto, que ignorava as intenções delle. A voz antipathica de d. Gloria interrompeu-me a observação:
— Vim dizer adeus. Vou-me embora.
Levantei a cabeça e vi-a diante de mim, tesa, enluctada naquelle vestido velho mal feito, que entufava nos hombros quando ella se aprumava.
— Para onde?
D. Gloria descreveu vagamente, com o dedo descarnado, um arco:
— Vou-me embora.
— A senhora não tem para onde ir.
E procurei o formigão, que tinha desapparecido.
— Vou, respondeu firme d. Gloria.
Esforcei-me por dissuadil-a:
— Isso não tem cabimento, mulher. Ganhar o mundo sem destino! Crie juizo.