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Página:Graciliano Ramos - S. Bernardo (1934).pdf/217

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S. BERNARDO

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lho, a dureza da boca e a dureza dos olhos me des­contentam.
Penso no povoado onde seu Ribeiro morou, ha meio século. Seu Ribeiro accumulava, sem du­vida, mas não accumulava para elle. Tinha uma casa grande, mas a casa estava sempre cheia, o girimun caboclo apodrecia na roça — e por aquellas beiradas ninguém tinha fome. Imagino-me viven­do no tempo da monarchia, á sombra de seu Ri­beiro. Não sei ler, não conheço illuminação electrica nem telephone. Para me exprimir recor­ro a muita periphrase e muita gesticulação. Te­nho, como todo o mundo, uma candeia de azeite, que não serve para nada, porque á noite a gente dorme. Podem rebentar centenas de revoluções. Não receberei noticia dellas. Provavelmente sou um sujeito feliz.
Com um estremecimento, largo essa felicidade que não é minha e encontro-me aqui em S. Ber­nardo, escrevendo.
As janellas estão fechadas. Meia-noite. Ne­ nhum rumor na casa deserta.
Levanto-me, procuro uma vela, que a luz vai apagar-se. Não tenho somno. Deitar-me, rolar no colchão até a madrugada, é uma tortura. Prefiro ficar sentado, concluindo isto. Amanhã não terei com que me entreter.
Ponho a vela no castiçal, risco um phosphoro e accendo-a. Sinto um arrepio. A lembrança de