Página:Guerra dos Mascates (Volume I).djvu/30

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para deixar que entrasse algum raio fagueiro pela câmara do sótão.

No estreito eirado, rente com o peitoril, havia três vasos de barro onde cresciam várias plantas. A mão que reunira ai o alvo bogarim, a rubra cravina, o goivo amarelo e os bagos escarlates da pimenta, esse conjunto singular lhe estava denunciando a travessura. Se é verdade, e eu creio, que a alma imprime nos objetos que a cercam a sua própria feição, podia-se ver naquele grupo de plantas o enigma de um coração.

Não seria o alvo bogarim o reflexo da candidez, como as pétalas da cravina a imagem dos vivos rubores de uma petulante castidade? O goivo, ali na mansão da juventude, não exprimia a descuidosa alegria, que orvalha de risos até as horas aziagas? E naqueles bagos vermelhos e brilhantes da pimenta, não havia quiçá o emblema das unhas de nácar, habituadas a insinuar no afago o belisco traiçoeiro?

Afinal de contas, quem sabe se apesar de todas as suas mostras encantadoras não estava a tal sonsa da janelinha enganando a gente que passava, como certas moças do tempo de hoje, cujo fraco é porem-se às vessas; quero eu dizer, e sem malícia, que se empenham com todas as forças para fazerem-se outras, das que as criou a natureza.