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PRIMEIRO COVEIRO

Ouve-me ainda; a agua está aqui, o homem está acolá; muito bem, o homem vae encontrar a agua e se afoga; forçosamente morre por seu motu proprio; nota isto bem. Mas se, pelo contrario, é a agua que vem encontrar o homem, e elle se afoga, então já não é elle que procura a morte; ergo, aquelle que não é culpado na sua morte, não poz termo voluntariamente á vida.

SEGUNDO COVEIRO

Mas será lei?

PRIMEIRO COVEIRO

É a lei que preside ao inquerito do magistrado.

SEGUNDO COVEIRO

Queres que te diga o que penso? Se a defunta não fosse senhora de qualidade, de certo não a enterravam em chão sagrado.

PRIMEIRO COVEIRO

É bem verdade o que dizes; é triste que as pessoas de qualidade tenham, a mais dos outros christãos seus iguaes, o direito de se afogarem e de se enforcarem. Vamos sempre cavando! Não ha nobreza mais antiga que a dos jardineiros, lavradores e coveiros; seguem a profissão de Adão!

SEGUNDO COVEIRO

Pois Adão era nobre?

PRIMEIRO COVEIRO

O primeiro que usou armas!

SEGUNDO COVEIRO

Deixa-te d'isso, não consta que as tivesse!

PRIMEIRO COVEIRO

Sempre és um pagão! como comprehendes tu então a escriptura sagrada? A escriptura diz que Adão trabalhava o solo; como poderia elle trabalhar sem pá ou enxada? Essas eram as suas armas. Vou fazer-te outra pergunta, se não me responderes com acerto, não és mais que um....

SEGUNDO COVEIRO

Asno! continúa.