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uma porção mesmo alterada de um verdadeiro sentido, não podiam ter-se enganado tão estultamente. Oh! vergonha! onde está o teu rubor? Inferno rebelde, que assim pódes atear a revolta nos sentidos de uma mulher, ha muito esposa e mãe. Que admira que, para a ardente juventude, a virtude seja como a cera, que se derrete á chamma que alimenta; que não seja vergonha ceder quando nos arrasta a paixão, poisque o proprio crystal se funde e a rasão prostitue aos desejos os seus vergonhosos serviços.

A RAINHA

Oh! Hamlet, cessa por piedade, obrigas o meu olhar a volver-se todo para a minha alma, e n'ella descubro máculas tão negras e tão profundamente impressas, que nada já as póde lavar.

HAMLET

Viver no suor impuro de um leito infecto, sobre o esterco da corrupção, revolver-se no lodaçal de um asqueroso amor.

A RAINHA

Cala-te, Hamlet, as tuas palavras são outras tantas punhaladas. Piedade! querido filho!

HAMLET

Um assassino, um scelerado, um miseravel, que não vale a centesima parte do seu primeiro marido, um rei de comedia, um ladrão, que empalmou o poder, e que achando a corôa debaixo de mão, a roubou e a metteu no bolso!

A RAINHA

Hamlet!

HAMLET

Um palhaço!

Entra a SOMBRA
HAMLET

Protegei-me e abrigae-me sob vossas azas, anjos do céu. (Á sombra) Que pretendes de mim, sombra querida?

A RAINHA

Infeliz! enlouqueceu.