Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo I.pdf/129

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sés ; bastava-lhe ser composta de homens, e homens poderosos. Na linguagem dos mandatarios populares sentem-se palpitar a indignação e o odio contra os judeus, embora nas invectivas que fazem sobre o desenfreiamento do luxo envolvam apparentemente os mouros e os christãos «Falamos assim, senhor, — diziam elles — porque vemos a horrrivel dissolução que lavra entre judeus, mouros e christãos, no viver, no trajar e no tracto e conversação, em que se observam cousas repugnantes e abominaveis. Vemos os judeus feitos cavalleiros, montados em cavallos e muares ricamente ajaezados, e elles vestidos com lobas e capuzes finos, jubões de seda, espadas douradas e toucas de rebuço, de modo que é impossivel conhecer a que raça pertencem. Entram por isso nas igrejas e escarnecem do sancto sacramento, ajunctando-se criminosamente com os christãos, e perpetram grandes peccados contra a fé catholica. Nascem desta dissolução profunda erros e culpas horrendas, que damnam os corpos e as almas. O peior dos males é andarem sem divisas, e fazem-no por serem rendeiros da fazenda publica, por atormentarem os christãos e por se terem feito senhores onde, naturalmente, são servos,» —