Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo I.pdf/171

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saír do paço seis ou sete christãos-novos descalços, ignorando-se para onde íam, successo extranho, que vogara logo por toda a villa. Esta delação, vinda do alto do púlpito, não era menos ridicula do que a relativa ás quatro creanças. Todavia, achou-se nisto matéria sufficiente para abrir uma devassa. Evidentemente, debaixo dessa delação absurda havia um pensamento malévolo, e os christãos-novos de Cintra buscaram o amparo dos tribunaes superiores. Não tardou uma ordem d'elrei para que o começado processo fosse transmittido aos seus desembargadores do paço. Examinado o negocio, o tribunal reprehendeu severamente os juizes de Cintra, não só por terem inquirido testemunhas indignas, mas também por procederem em contravenção da lei, advertindo-os de que a reincidência em taes actos seria asperamente punida [1].

Este successo e muitos outros análogos que encontraremos no progresso da nossa narrativa parece confirmarem o que, annos depois, os christãos-novos allegavam em Roma, para provarem as perseguições de que os odios populares, accendidos pelas prédicas

  1. Doc. origin. no Corpo Chronol., P. 2, M. 3, Doc. 75 no Arch. Nac.