Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo I.pdf/180

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vigor. No domingo seguinte ao meio dia, celebrados os officios divinos, examinava o povo a supposta maravilha, contra cuja authenticidade recresciam suspeitas no espirito de muitos dos espectadores. Achava-se entre estes um christão-novo, ao qual escaparam da boca manifestações imprudentes de incredulidade ácerca do milagre. A indignação dos crentes, excitada, provavelmente, pelos auctores da burla[1], communicou-se á multidão. O miseravel blasphemo foi arrastado para o adro, assassinado, e queimado o seu cada ver. O tumulto attrahira maior concurso de povo, cujo fanatismo um frade excitava com violentas declamações. Dous outros frades, um com uma cruz, outro com um crucifixo arvorado, saíram então do mosteiro, bradando heresia, heresia! O rugido do tigre popular não tardou a reboar por toda a cidade. As marinhagens

  1. As Memorias Avulsas do Ms. contemporaneo dizem expressamente que neste dia o mylagre foy mostrado por alguns frades. As narrativas variam quanto ás expressões do incrédulo. Segundo as Memorias Mss. da Ajuda elle perguntou «como havia um páu secco de fazer milagres?» Segundo Goes disse «que lhe parecia uma candeia (véla) posta ao lado da imagem.» Esta versão cremo-la mais verosimil, porque, naturalmente, esse era o facto.