Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo I.pdf/220

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ultimo auge o odio radicado das multidões, sobretudo da gentalha. Era o primeiro a inveja, o vicio commum, em todos os tempos, dos menos abastados: era o segundo o fanatismo, aviventado pelas continuas incitações do clero, principalmente do clero regular. O fanatismo, de feito, aos olhos do vulgo sanctificava os impulsos da inveja ou, antes, disfarçava-os na intima consciência dos invejosos, encubrindo-os sob o manto do zelo da religião. No rei não era assim. A ignorancia e as tendencias fradescas tornavam-no naturalmente fanatico, sem que para isso contribuissem nem a inveja, nem a memoria de antigos aggravos.

Mas o fanatismo não impedia que o filho de D. Manuel se désse á devassidão com mulheres[1]. E a differença que vai dessa negra paixão á verdadeira piedade. Tractaram, portanto, de o casar, e foi escolhida para sua esposa D. Catharina, irman de Carlos v, o qual já nesta conjunctura reinava em Castella. Effectuou-se o consorcio, e procurou-se ao mesmo tempo estreitar mais os laços dos dous paizes, negoceiando o casamento de Carlos v com a infanta D. Isabel, irman do rei de Por-

  1. Sousa, Annaes, L. 2, c. 14.