Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo I.pdf/224

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parasitas de todas as ordens e classes devorava a substancia dos proprietarios e lavradores. Mantimentos, cavalgaduras, carros, tudo era tomado, e os detensores ou não pagavam ou pagavam com escriptos de divida, divertindo-se os cortezãos, muitas vezes, em destruirem os fructos, as fazendas e as mattas[1]. Se, porém, no civil ía mal o reino, não ía melhor no ecclesiastico. Nem os bispos, nem os prelados das terras pertencentes ás ordens militares cumpriam com as suas obrigações. Do que se tractava era de comer os dizimos e rendas, e muitas vezes faltavam ao povo os officios divinos e os sacramentos. As visitas feitas pelos prelados não tinham por fim reformar os costumes ou prover ao culto, mas sim extorquir dinheiro. Um dos grandes males do paiz eram os juizes apostolicos especiaes que se obtinham por via de escriptos de Roma e que avocavam a si causas, tanto do foro secular, como do ecclesiastico, constituindo-se, assim, frades e clerigos ignorantes em magistrados. O abuso dos interdictos era intoleravel. A ordem de Christo, emfim, que tinha o padroado de centenares de parochias

  1. Ibid. c. 98 e 157.