Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo I.pdf/227

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rentes e amigos de tantas victimas que o fanatismo havia sacrificado e que se viam obrigados a soffrer diariamente injurias e calumnias, sem poderem repelli-las, desfavorecidos, como eram em toda a parte, pela opinião publica.

O conselho real parece ter dado pequena importancia a estas representações; porque as respostas a ellas foram pouco conformes com os desejos dos procuradores das cortes. Mas entre o procedimento official do governo e o sentir particular do rei existia o desaccordo. Aproveitando as propensões do seu animo, os fautores da perseguição incitavam constantemente o monarcha a estabelecer nos seus estados o mesmo tribunal da fé que fazia chammejar as fogueiras do martyrio no resto da Península. Bispos e outros prelados (porventura, aquelles mesmos cuja cubiça e desleixo nas cousas de religião os delegados do povo denunciavam publicamente em cortes), individuos que se diziam tementes a Deus, prégadores e confessores que abusavam das revelações ou, antes, delações feitas no tribunal da penitencia; emfim, quantos sectarios da intolerancia havia, quantos tinham que exercer vinganças contra alguns christãos-novos e que podiam fazer-se ouvir,