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tas ao rei deve fazer-nos hesitar ácerca da sinceridade de Firme-fé. Esse rancor era tão cego, que altribuia á indole e ás tradições da raça a que eile proprio pertencia todas as tendencias vis e perversas, recordando a D. João iii os testemunhos da Biblia contra os judeus. Não só o abuso que os christãos-novos opulentos faziam das riquezas sanctificava os odios populares, mas, ainda, a inveja que os menos abastados lhes tinham era legitima aos olhos do devoto espia[1]. Implacavel na perseguição, elle confessava que um dos primeiros pseudo-christãos que denunciara a elrei, logo que, chegando a Portugal, alcançara falar-lhe, fora um irmão seu, que, mandado arrebatar de Portugal por elle noutro tempo, para o educar na verdadeira crença, logo que podera fugir-lhe voltara a Lisboa e ahi seguira a ocultas a religião de Moysés[2]. O fanatismo (talvez, antes, a hypocrisia) levado a es-

  1. Ibid. Carta 1.ª
  2. «em la primera audiência que me hizo mercêd de me oyr me quexê deste mi hermano... que lo habia mandado hurtar de acá para Castilla... por lo hazer catholico, como lo tenia hecho, e vino a Lisbona a hazerse judío como los otros»: Ibid. Carta 2.ª.