Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo I.pdf/257

Wikisource, a biblioteca livre

persuadiria aos ignorantes a legitimidade do perjurio, quando se tractasse de perder os inimigos da fé. Na terrivel questão que naquella epocha se debatia, os resultados dos depoimentos judiciaes não devem merecer grande consideração á historia, quando, aliás, se não firmarem noutra ordem de testemunhos ou não tiverem a seu favor razões de congruencia. Além do abuso das formulas de processo, a que, em todos os tempos e em todos os paizes, as parcialidades irritadas umas contra as outras costumam recorrer, a legislação daquella epocha dá-nos, tambem, um documento irrefragavel de que o desprezo pela sanctidade do juramento se tinha tornado então demasiado vulgar[1]. As suspeitas, nesta parte, deviam, de feito, ser mutuas; porque, se os christãos-velhos accusavam os novos de empregarem testemunhas falsas para se defenderem, estes accusavam-nos a elles do mesmo expediente para os criminarem[2] , e nós vamos ver que

  1. Orden. Manuel., L. i, tit. 44, § i.
  2. «plurimos falsis testimoniis morti tradiderunt, facta, ut diclum est, inter testes conjuratione»: dizem os dous jurisconsultos Parisio e Veroi na consulta que lhes mandou fazer Clemente vii sobre a materia da Inquisição (Symmicta, vol. 31, f. 229). Veja-se, tambem, o Memoriale (Ibid. f. 12 e segg.).