Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo III.pdf/127

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elle não se atrevera a saír. Abandonados inteiramente á mercê dos inquisidores, a perseguição redobrou de violencia, e os gritos dos que expiravam nas fogueiras respondiam em Portugal aos inuteis clamores que os agentes da raça perseguida alevantavam nos tribunaes de Roma[1].

Se acreditarmos o Memorial, e nesta parte a narrativa é altamente crivei, as familias daqueles que sollicitavam na curia o favor do pontifice para seus afflictos irmãos eram alvo de uma perseguição systematica da parte dos inquisidores. Os que tomavam aquelle arriscado empenho não se votavam só a si a futuras e implacaveis vinganças; preparavam tambem o martyno de mulheres e de filhos, de paes e irmãos. De nada lhes servia sollicitar e obter breves de exempção, ou em que se avocassem as causas dos réus já presos a um tribunal de juizes apostolicos, nomeiados para esse fim. Se taes breves escapavam dos obstaculos que em Roma se punham á sua expedição, os inquisidores desprezavam-nos ou sophismavam-nos. Apesar dos esfor-

  1. «illorum sanguine incrassatus et impinguatus est regius furor. Heu! Deplorandum tempus!» Memoriale, Symm., vol. 31, f. 60 v.