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Não tardaram a manifestar-se os intuitos do bispo dominicano na perseguição contra os christãos-novos. A bulla de 23 de maio de 1536 tinha mantido as disposições do breve de 12 de outubro de 1535 e da bulla de 7 de abril de 1533: todos os crimes de heresia anteriores á data desse diploma ficavam cancellados, e não era licito fazê-los reviver. Annunciando, porém, o estabelecimento do tribunal de fé em Coimbra e intimando os fiéis a que viessem denunciar todos os delictos contra a religião de que tivessem conhecimento, o bispo de S. Thomé deixou de fixar a data além da qual esses delictos eram como se não existissem. Esta circumstancia engrossava desmesuradamente a lista dos réus, muitos dos quaes foram presos e processados por factos que se diziam practicados mais de dezeseis annos antes. Como se isto não bastasse, nos depoimentos de testemunhas omittia-se a distincção entre as de vista e de ouvida. Processos intentados civilmente contra essas testemunhas provaram depois que muitas dellas eram falsas, e que as declarações de outras se tinham viciado. Atulhados de presos as escuras enxovias das torres do antigo Castello de Coimbra, muitos delles foram recolhidos em casebres immundos e fetidos.