Página:Herculano, Alexandre, História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal, Tomo III.pdf/162

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e cinco que ficaram foram logo presos, prova evidente de que o medo dos fugitivos fora bem fundado, ou que de antemão sabíam a sorte que os esperava. A fama do que succedera em Trancoso soou pelos povos circumvizinhos e gerou uma verdadeira revolta. Os camponeses das cercanias correram armados á villa em numero de quinhentos, arrastados pela esperança de poderem commetter todos os excessos á sombra do zelo religioso. Os fugidos e presos eram ricos, as suas familias não tinham quem as protegesse, e a gentalha pôde a seu salvo perpetrar toda a sorte de violências e atrocidades. Trezentas creanças vagueiavam pelas immediações, sem abrigo, sem rumo e dispersas, chamando em alto choro por seus paes. Os trinta e cinco christãos-novos que se haviam deixado prender foram arrastados até Évora, e ahi lançados nas escuras masmorras chamadas as covas da Inquisição[1].

O tribunal da fé, funccionando por este mo-

  1. Doc. da G. 2, M. 2, N.° 27, no Arch. Nac. «Oh piétá grande! che girano in volta per le contrade disperse 300 creature fanciulli senza governo ne albergo alcuno di persona vivente dando voei et gridando per lor padri et madri»: Ibid.