Página:Historias sem data.djvu/135

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— Não, senhor; não quero estripar os ratos.

— Os cães? os gansos? as lebres?...

— Nada; peço alguns homens vivos.

— Vivos? não é possivel...

— Vou demonstrar que não só é possivel, mas até legitimo e necessario. As prisões egypicias estão cheias de criminosos, e os criminosos occupam, na escala humana, um grau muito inferior. Já não são cidadãos, nem mesmo se podem dizer homens, porque a razão e a virtude, que são os dois principaes caracteristicos humanos, elles os perderam, infringindo a lei e a moral. Além d'isso, uma vez que têm de expiar com a morte os seus crimes, não é justo que prestem algum serviço á verdade e a sciencia? A verdade é immortal; ella vale não só todos os ratos, como todos os delinquentes do universo.

Ptolomeu achou o raciocinio exacto, e ordenou que os criminosos fossem entregues a Herophilo e seus discipulos. O grande anatomista agradeceu tão insigne obsequio, e começou a escalpellar os réus. Grande foi o assombro do povo; mas, salvo alguns pedidos verbaes, não houve nenhuma manifestação contra a medida. Herophilo repetia o que dissera a Ptolomeu, acrescentando que a sujeição dos réus á experiencia anatomica era até um modo indirecto de