Página:Historias sem data.djvu/231

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o, o latim a perna esquerda, e a rhetorica a perna direita.

Justamente da perna direita é que o Theophilo coxeava. Sabia muito as outras cousas: theologia, philosophia, latim, historia sagrada; mas a rhetorica é que lhe não entrava no cerebro. Elle, para desculpar-se, dizia que a palavra divina não precisava de adornos. Tinha então vinte ou vinte e dous annos de edade, e era lindo como S. João.

Já n'esse tempo era um mystico; achava em todas as cousas uma significação recondita. A vida era uma eterna missa, em que o mundo servia de altar, a alma de sacerdote e o corpo de acolyto; nada respondia á realidade exterior. Vivia ancioso de tomar ordens para sahir a prégar grandes cousas, espertar as almas, chamar os corações á Egreja, e renovar o genero humano. Entre todos os apostolos, amava principalmente S. Paulo.

Não sei se o leitor é da minha opinião; eu cuido que se póde avaliar um homem pelas suas sympathias historicas; tu serás mais ou menos da familia dos personagens que amares devéras. Applico assim aquella lei de Helvetius: «o grau de espirito que nos deleita dá a medida exacta do grau de espirito que possuimos». No nosso caso, ao menos, a regra não falhou. Theophilo amava S. Paulo, adorava-o,