menos, que o tal Padre veio do Brazil d'onde é natural, e sendo ainda rapaz o puxou para sua casa o Marquez d'Abrantes, inculcando em primeiro logar a sua rara e nunca em outrem vista memoria, pois dizia que sómente de quvir um sermâo o repetia, palavra por palavra, e na mesma fórma repetia a lauda de qualquer livro, e, o que mais é, que repetia tudo o que lia ás vessas, sem Ihe errar pala vra, e com estas e outras habilidades o introduziu em palacio, fazendo-lhe Sua Magestade notaveis honras e grandiosas mercês, em agradecimento do que, quiz servir a sua corôa por um tal modo, que outro tal serviço se não tivesse visto no mundo. E foi o caso, que se obrigou a fazer um novo invento, para voar, e pelo ar ir ás partes mais remotas, levando dentro o pêso ou quantia de trinta pessoas.
Fez para isto pintar a fórma da dicta embarcação volatil, a qual havia governar-se por uns flabellos de pennas como azas, movida por homens que haviam de ter o governo, e encaminhal-a com esta ideia á parte aonde a quizessem conduzir ; o dicto invento e esta ideia com as suas explicações se vulgarizou muito em Lisboa, de que se multiplicaram várias copias, e nos meus manuscriptos em quarto no tomo 5.° vae uma d'estas copias. E' miseravel esta nossa nação portugueza, que não só o plebeu, mas ainda algumas pessoas de claro entendimento se capacitaram de que teria effeito esta invenção, e uma d'ellas foi o marquez d'Abrantes, que defendia e approvava esta materia com tanta tenacidade, que rompia em impaciencia e despresos de quem lh'o contradizia, e era para elle como ponto de fé esta ideia.
Passou a mais a miseria da nação, porque se lhe passou alvará de mercê pelo Desembargo do Paço, assignado por Sua Magestade, de que não poderia outra pessoa alguma fazer o tal invento senão elle, cujo alvará passou pela chancellaria, e pagou novos direitos de mercê. Isto succedeu no principal tribunal da côrte (como todos sabem), que é a mesa do Desembargo do Paço, em que assistem os ministros de maior reputação,