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chegado, porém que vinha um clerigo na sua companhia. Passaram a Setubal, e no caminho disse o Bacalhau ao juiz de fóra, que se o clerigo era o Padre Bartholomeu Lourenço, haveria novidade grande. Deram parte do caso ao juiz de fóra de Setubal, que era o meu amigo Diogo Cotrim, que já estava despachado para o Porto ; e havendo doticia que as mulheres passaram já desacompanhadas do clerigo, deu ordem ao juiz de fora para se registarem os barcos que viessem d'Alcacer, e foi acompanhando na diligencia aos dois ministros. Chegando á villa deram parte ao juiz de fóra, tambem meu amigo, Valerie Galvão de Quadros, e logo souberam, que as mulheres estavam na terra. Prenderam-se, e o homem que as acompanhava, e tambem as duas Salemas feiticeiras, sem saberem umas das outras, e assim mesmo foram levadas para casa dos familiares, a quem se recommendou as não deixassem fallar a pessoa alguma. Perguntada a principal do rancho pelo clerigo companheiro, disse que era o Padre Bartholomeu Lourenço, e buscada se lhe achou ao peito um escritinho com caracteres imperceptiveis, e á outra uma chavinha de prata em um cordão encarnado, que dizia era d'um escriptorinho que tinha em Lisboa ; mas buscando-se o fato, achou-se em uma condeça um cadeado em que servia a tal chave, e abrindo-a com curiosidade, pelo recato com que se guardava a chavinha, preza a tiracol no forro do vestido, acharam-se dentro peitos de perdizes, e de gallinhas abocanhados, bocados de marmellada meios comidos, uma atadura e almofadinha com sangue, quarenta moedas em oiro, e muito boas joias, que seriam para dar ás Salemas, e no fundo d'um alforge um caco com esterco humano já secco.

Chegaram ao Santo Officio uma quarta feira pelo meio dia, e passando-se logo ordem para ser preso o Padre Bartholomeu, pelas duas horas da tarde fugiu, mas depois foi preso, e não ha muitos tempos que morreu : e mandando-se, quando elle desappareceu, fazer sequestro a sua casa, pelo Bacalhau, achou-se, entre os