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NOTA

Convém recordar que o primeiro povoamento — branco — do Rio Grande do Sul foi espanhol; seu poder e influencia estenderam-se até depois da conquista das Missões; provém disso que as velhas lendas rio-grandenses acham-se tramadas no acervo platino de antanho.


Vem da Ibéria, a topar-se com a ingênua e confusa tradição guaranítica (v. g. a lenda da M’boi-tátá) a mescla cristã-árabe de abusões e misticismo; dos encantamentos e dos milagres; desses elementos, confundidos e abrumados ( p. ex. a salamanca do serro do Jarau), nasceram idealizações novas e típicas adaptadas ou decorrentes do meio físico e das gentes ainda na crassa infância das concepções.


E, como entre conquistadores brancos corria intensa e rábida a febre da riqueza — o sonho escaldante do El-Dorado — a fulgir nas areias e nos cascalhos, espadanando das entranhas misteriosas e apojadas do Novo-Mundo, a preponderante vivaz das suas ficções é sempre a imantada ânsia — pelo ouro!, forte sobre a dor e a própria morte…

Com a entrada dos mamelucos paulistas outras e doutra feição vieram do centro e norte do Brasil: o saci, o caápora, a oiára, que esfumaram-se no olvido.

Por último uma única se formou já entre gente lusitana radicada e a incipiente, nativa: a do Negrinho do pastoreio.

A estrutura de tais lendas perdura; procurei delas dar aqui uma feição expositiva — literária e talvez menos feliz — como expressão da dispersa forma porque a ancianidade subsistente transmite a tradição oral, hoje quase perdida e mui confusa: ainda por aí se avaliará das modificações que o tempo exerce sobre a memória anônima do povo.