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VI E vai,

como a boi-guassú não tinha pêlos como o boi, nem escamas como o dourado, nem penas como o avestruz, nem casca como o tatu, nem couro grosso como a anta vai, o seu corpo foi ficando transparente clareado pelos miles de luzezinhas, dos tantos olhos que foram esmagados dentro dele, deixando cada qual sua pequena réstia de luz. E vai, afinal, a boi-guassú toda já era uma luzerna, um clarão sem chamas, já era um fogaréu azulado, de luz amarela e triste e fria, saída dos olhos, que fora guardada neles, quando ainda estavam vivos…

VII Foi assim e foi por isso que os homens, quando pela primeira vez viram a boi-guassú tão demudada, não a conheceram mais. Não conheceram e julgando que era outra, muito outra, chamaram-na desde então, de boi-tátá, cobra de fogo, boi-tátá , a boi-tátá !

E muitas vezes a boi-tátá rondou as rancherias, faminta, sempre que nem chimarrão. Era então que o téu-téu cantava, como bombeiro.

E os homens, por curiosos, olhavam pasmados, para aquele grande corpo de serpente, transparente — tátá, de fogo — que media mais braças que três laços de conta e iam alumiando baçamente as carquejas… E depois, choravam. Choravam, desatinados do perigo, pois as suas lágrimas também guardavam tanta ou mais luz que só os olhos e a boi-tátá ainda cobiçava os olhos vivos dos homens, que já os da carniça enfaravam…

VIII Mas, como dizia:

na escuridão só avultava o clarão baço do c