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O condão estava no regaço de uma fada velha, que era uma princesa moça, encantada, e bonita como só ela!...

Num mês de quaresma os mouros escarneceram muito do jejum dos batizados, e logo perderam uma batalha muito pelejada; e vencidos foram obrigados ajoelharem-se ao pé da Cruz Bendita... e a baterem nos peitos, pedindo perdão...

Então, depois, alguns, fingidos de cristãos, passaram o mar e vieram dar nestas terras sossegadas, procurando riquezas, ouro, prata, pedras finas, gomas cheirosas... riquezas para levantar de novo o seu poder e alçar de novo a Meia-Lua sobre a Estrela de Belém...

E para segurança das suas traças trouxeram escondida a fada velha, que era a sua formosa princesa moça...

E devia ter mesmo muito força o condão, porque nem os navios se afundaram, nem os frades de bordo desconfiaram, nem os próprios santos que vinham, não sentiram...

Nem admira, porque o condão das mouras encantadas sempre aplastou a alma dos frades e não se importa com os santos do altar, porque esses são só imagens...

Assim bateram nas praias da gente pampeana os tais mouros e mais outros espanhóis renegados. E como eles eram, todos, de alma condenada, mal puseram pé em terra, logo na meia noite da primeira sexta-feira foram visitados pelo Diabo deles, que neste lado do mundo era chamado de Anhangá-pitã[1]} e mui respeitado. Então, mouros e renegados disseram ao que vinham; e Anhangá-pitã folgou muito; folgou, porque a gente nativa daquelas campanhas e destas serras era gente sem cobiça de

  1. Anhangá-pitã — Literalmente, do tupi-guarani: diabo vermelho.