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oleos, mas nele entrou a doçura que tanto amarga, do pecado...

A minha boca provou do sal piedoso... e nela entrou a frescura que requeima, dos beijos da tentadora...

Mas, é que assim era o fado...; tempo e homem virão para me libertar, quebrando o encantamento que me amarra; duzentos anos hão de findar; eu esperarei no entanto, vivendo na minha tristeza seca, tristeza de arrependido que não chora...

Tudo o que me volteia no ar tem seu dia de aquietar-se no chão...

Era eu que cuidava dos altares e ajudava a missa dos santos padres na igreja de S. Tomé, do lado ao poente do grande rio Uruguai. Sabia bem acender os círios, feitos com a cera virgem das abelheiras da serra; e bem balançar o turíbulo, fazendo ondear a fumaça cheirosa do rito; e bem tocar a santos, na quina do altar, dois degraus abaixo, à direita do padre; e dizia as palavras do missal; e nos dias de festa sabia repicar o sino; e bater as horas, e dobrar a finados... Eu era o sacristão.

Um dia, na hora do mormaço, todo o povo estava nas sombras, sesteando; nem voz grossa de homem, nem cantoria das moças, nem choro de crianças: tudo sesteava. O sol faiscava nos pedregulhos lustrosos, e a luz parecia que tremia, peneirada no ar parado, sem uma viração.

Foi nessa hora que eu saí da igreja, pela portinha da sacristia, levando no corpo a frescura da sombra benta, levando na roupa o cheiro da fumaça piedosa. E sai sem pensar em nada, nem de bem nem de mal; fui andando como levado...

Todo o povo sesteava, por isso ninguém viu.