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A água da lagoa borbulhava toda, numa fervura, ronquejando tal e qual como uma marmita no borralho. Por certo que lá embaixo, dentro da terra é que estaria o braseiro que levantava aquela fervura que cozinhava os juncos e as traíras e pelava as pernas dos socós e espantava todos os mais bichos barulhentos daquelas águas...

Eu vi, vi o milagre de ferver toda uma lagoa... ferver, sem fogo que se visse!

A mão direita, pelo costume, andou a fazer o “Pelo Sinal ”... e parou, pesada como chumbo; quis rezar um “Credo ”, e a lembrança dele recuou; e voltar, correr e mostrar o Santíssimo... e tanger o sino em dobre... e chamar o padre superior, tudo para esconjurar aquela obra do inferno... e nada fiz... sem força na vontade, nada fiz... nada fiz, sem governo no corpo!...

E fui andando, como levado, para mais de perto ver, e não perder de ver o espantoso

Porém logo outra força acalmou tudo; apenas a água fumegante continuou retorcendo os lodos remexidos, onde boiava toda uma mortandade dos viventes que morrem sem gritar...

Era no fim de lançante comprido, estrada batida e limpa, de todos os dias as mulheres irem para a lavagem; e quando eu estava na beira da água, vendo o que estava vendo, então rompeu dela um clarão, maior que o da luz a pino do dia, clarão vermelho, como dum sol morrente, e que luzia desde o fundão da lagoa e varava a água barrenta...

E veio crescendo para a barranca, e saiu e tomou terra, e sem medo e sem ameaça veio andando para mim a sempre escapada maravilha..., maravilha que os que nunca viram juravam sempre ser — verdade — e que eu, que estava vendo, ainda jurava ser — mentira! —