Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/124

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os olhos dos populares, que, tendo-se em poucas horas elevado até á altura do throno, ousavam tambem dar testemunho publico do seu odio contra o mais distincto membro da fidalguia. [1]

“Velha raposa, em que te pese, não será a adultera rainha da boa terra de Portugal!—­gritava um carniceiro, voltando-se para uma velha que estava ao pé delle, mas olhando de través para o conde que passava.

“Leal conselheiro de barregnices, por quanto vendeste a honra do compadre Lourenço?—­perguntava um alfageme, fingindo falar com um vizinho, mas lançando tambem os olhos para D. João Affonso Tello.

“Que tendes vós com o lobo que empece ao lobo?—­acudiu um lagareiro calvo e acurvado debaixo do peso dos annos.—­Deixae-os morder uns aos outros, que é signal de Deus se amercear de nós.”

“O que elles mereciam—­interrompeu uma regaleira—­era serem alagantados [2] —­com boas tiras de couro cru.”

“E ella, tia Dordia?—­accrescentou um

  1. O titulo de conde era o de maior preeminencia entre nós, e João Affonso Tello era então o unico que em Portugal tinha semelhante titulo.
  2. Açoutados.