Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/191

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“Senhor! que é vosso irmão!”

“É um covarde traidor, que deve morrer! Irmão!? Mentes, velho! Elle já não o é!”

Á palavra—­mentes!—­um relampago de vermelhidão passou pelas faces cavadas do antigo cavalleiro: abaixou os olhos, e correu-os pela espada. Fôra esta a primeira vez que ella ficára na bainha depois de tão funda affronta. Mas aquelle era o momento dos grandes sacrificios. Ayras Gomes replicou, alimpando as lagrymas:

“Nunca vos menti, senhor, nem quando ereis na puericia, nem depois que sois meu rei. Sabei-lo. Criminoso ou innocente, D. Diniz é filho de meu bom senhor D. Pedro. A vosso pae servi com lealdade; por vós já me andou arriscada a vida. Hoje tendes por defensores todos os cavalleiros de Portugal: elle é que não tem um só. Senhor rei, ficae certo de que para assassinar vosso irmão vos é mister passar por cima do cadaver de vosso segundo pae.”

Atalhado assim o primeiro impeto, o caracter do moço monarcha revelou-se inteiro neste momento. Commoveu-o a postura do venerando ancião, que pela primeira vez via a seus pés; e com a irresolução pintada nos olhos fitou-os em Leonor Telles.